quinta-feira, 31 de outubro de 2013

1.º SEMINÁRIO DE DIREITOS HUMANOS, TRABALHO E MARXISMO: BASES CONCEITUAIS

ORGANIZADORES: MARCUS ORIONE E PABLO BIONDI
REALIZAÇÃO: GRUPO DE ESTUDOS “DIREITOS HUMANOS, CENTRALIDADE DO TRABALHO E MARXISMO”

Os direitos humanos, sem dúvida, constituem o campo mais progressista do pensamento jurídico. No entanto, padecem de análises idealistas que resultam em promessas irrealizáveis. Espera-se do direito um papel de transformação social que ele, segundo uma leitura mais crítica, revela não possuir. Mas qual leitura crítica?
Somente o marxismo, em sua crítica radical, pode expor a fragilidade do discurso tradicional dos direitos humanos e, ao mesmo tempo, apresentar uma alternativa civilizatória superior. É preciso superar o humanismo burguês, confortavelmente abstraído nas nuvens, e agarrar o chão da vida em sua materialidade, cujo cerne é o trabalho, a produção material da existência coletiva.
É imprescindível reivindicar a teoria marxista e a categoria do trabalho – aqui considerada na perspectiva de modo de produção – nos dias de hoje, em que o marxismo enfrenta, de um lado, o isolamento causado pela força hegemônica do neoliberalismo, e de outro, as visões revisionistas, que conspurcam suas premissas para torná-lo mais palatável perante o pensamento dominante.
No âmbito dos direitos humanos, este pensamento dominante não se apresenta em sua forma tradicional. Assume, diferentemente, uma veste mais sutil. É o discurso do multiculturalismo, que desloca o eixo das contradições do seu verdadeiro lugar, o modo de produção capitalista, para o terreno das diferenças culturais. Tal discurso opera no sentido de escamotear a realidade: já não haveria imperialismo, mas sim um “choque de civilizações”; já não haveria racismo, machismo e homofobia no sentido profundo destes termos, e vinculado à questão de classe, mas apenas “conflitos identitários”. E assim por diante.
Fora isto, o ecletismo metodológico é outro desafio a se enfrentar. A compreensão do mundo pela raiz depende de um rigor que comumente se perde nas análises que invocam o marxismo, análises tementes aos desdobramentos políticos inerentes à mencionada teoria. Faz-se necessária a radicalidade no método, retirando-se as flores imaginárias que adornam os grilhões dos oprimidos.
Cumpre aprofundar os estudos marxistas dedicados aos direitos humanos, sendo necessário, como início de uma série de seminários, assentar as bases conceituais aplicáveis ao tema em sua generalidade, para depois se enveredar rumo a questões mais específicas.
Convidamos a todos(as), assim, a participarem do 1.º Seminário de direitos humanos, trabalho e marxismo, e que terá a seguinte programação:


 
1)         Estado, direito e transição

 
          Armando Boito Junior
          Flávio Roberto Batista
          Thiago Barison
  18/11/13, segunda-feira, das 19h às 22h
  Local: Sala da Congregação, Faculdade de Direito da USP, 1º Andar, Prédio Histórico



2)      Capitalismo, direitos humanos e a alternativa socialista
          Márcio Bilharinho Naves
          Alysson Mascaro
          Pablo Biondi
  19/11/13, terça-feira, das 19h às 22h
  Local: Sala da Congregação, Faculdade de Direito da USP, 1º Andar, Prédio Histórico



3)      Direitos sociais e marxismo

PALESTRA DE ENCERRAMENTO – Michael Löwy


          Ricardo Antunes
          Ruy Braga
  21/11/13, quinta-feira, das 19h às 22h
  Local: Sala da Congregação, Faculdade de Direito da USP, 1º Andar, Prédio Histórico.
Não é necessária inscrição.

Trechos escolhidos do Prefácio e do Texto de ENGELS, Friedrich; KAUTSKY, Karl. O socialismo jurídico - 24/10

ENGELS, Friedrich; KAUTSKY, Karl. O socialismo jurídico. Trad. COTRIM, Lívia; NAVES, Márcio Bilharinho. 2ª ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2012.

Para entender em que contexto o texto foi escrito, há que se destacar algumas passagens do prefácio de Márcio Naves:

“O texto ‘O socialismo jurídico’ foi  publicado originalmente na revista da social-democracia alemã Die Neue Zeit (A Nova Gazeta), em 1887, sem que fossem nomeados seus autores, só depois identificados como Friedrich Engels e Karl Kautsky. A redação havia sido iniciada por Engels, mas, tendo ele adoecido, Kautsky foi chamado para completar o artigo.
O objetivo mais imediato da iniciativa de Engels era dar resposta aos ataques que Marx vinha sofrendo, assim como elaborar uma crítica à ideologia jurídica e combater a sua influência no movimento operário.
‘O socialismo jurídico’ é uma crítica ao livro de Anton Menger, O direito ao produto integral do trabalho historicamente exposto, publicado no ano de 1886, e que vinha obtendo grande repercussão nos meios socialistas. Nascido na Áustria, Menger (1841-1906) foi professor de Direito Processual Civil, reitor da Universidade de Viena e um dos mais expressivos representantes do socialismo jurídico.
Em seu livro, Menger propõe-se a tarefa de reelaborar o socialismo de um ponto de vista jurídico, possibilitando a transformação do ordenamento jurídico por meios pacíficos. Além disso, procura demonstrar que a concepção teórica de Marx e Engels  era simplesmente um plágio de autores socialistas que os precederam” (p. 09 e 10)

Para a melhor compreensão da questão referente ao socialismo jurídico em si, deve-se destacar a seguinte passagem ainda do prefácio:

“Toda a complexidade da questão reside em que a classe operária deve apresentar demandas jurídicas ao mesmo tempo que deve recusar o campo jurídico. Como solucionar essa contradição? Observemos, inicialmente, que Engels e Kautsky referem-se a reivindicações de classe que só podem ser realizadas quando essa classe alcança o poder político, o que quer dizer que elas não se referem às condições atuais, mas às condições futuras de uma nova sociedade. Portanto, não autorizam um projeto reformista fundado no atendimento de demandas jurídicas no quadro da sociedade burguesa, que é justamente a posição do socialismo jurídico.
As reivindicações jurídicas do proletariado devem conter um elemento desestabilizador, que ‘perturbe’ a quietute do domínio da ideologia jurídica. É precisamente a isso que se refere Peter Schöttler quando menciona  um texto de Engels no qual ele aponta para a espécie de reivindicação jurídico que o movimento operário pode exprimir: Engels, após analisar a tradicional reivindicação jurídica do movimento sindical em favor de uma salário “justo”, sugere a sua substituição pela reivindicação de posse dos meios de produção pelos trabalhadores.
Ora, essa reivindicação é incompatível com o direito burguês, revela os seus limites e demonstra a necessidade de sua abolição.
Mas além disso, Engels e Kautsky acrescentam que o movimento socialista não elabora ‘uma nova filosofia do direito’, isto é, não pode existir um ‘direito socilaista’, e que o direito burguês perdura na fase de transição socialista até que se extinga a forma valor. Só quando a  natureza das relações de produção e o caráter das forças produtivas capitalistas forem revolucionarizados, e as formas mercantis extintas, só então será possível, como dizia Karl Marx na Crítica do Programa de Gotha, ultrapassar o estreito horizonte do direito burguês e conhecer, por fim, a liberdade real jamais experimentada, a liberdade comunista” (p. 15 e 16)

EM RODAPÉ NAS P. 15 E 16: “Transferência da titularidade não é, evidentemente, incompatível com o direito burguês. Observemos, porém, que Engels e Kautsky não se referem à propriedade, mas à ‘posse’ dos meios de produção, apontando, assim, para uma condição não jurídica, absolutamente necessária para a instauração das novas relações sociais, a apropriação real dos meios de produção pelos trabalhadores. É por isso que essa reivindicação é incompatível com o direito burguês, porque ela traz em si um elemento que anula a sua natureza jurídica. De modo que, nesse inocente ‘deslize’ jurídico, revela-se a impossibilidade de se sair desse círculo de ferro: uma vez apenas formulada, a reivindicação jurídica simplesmente se despedaça!”

Abstração e não como se organiza. Não é um dado, mas localizado socialmente.

Transição do modo de produção – Uma coisa é a transição e outra coisa são as reivindicações num determinado momento detonam a revolução ... Critério de validade no concreto do fator de revolução. Questões políticas e questões teóricas. Ex. da reforma agrária. Não basta pensar na finalidade, as condições devem existir. Revolução permanente de Trotsky
Pensar o que rompe com a forma jurídica. Na política o que rompe com a forma política.

PARTES DO TEXTO DE ENGELS E KAUTSKY QUE MERECEM DESTAQUE

“Na idade média, a concepção de mundo era essencialmente teológica” (...) “Jurisprudência, ciência da natureza e filosofia, tudo se resumia em saber se o conteúdo estava ou não de acordo com as doutrinas da igreja. Entretanto, no seio da feudalidade desenvolvia-se o poder da burguesia. Uma classe nova se contrapunha aos grandes proprietários de terras. Enquanto o modo de produção feudal se baseava essencialmente no autoconsumo de produtos elaborados no interior de uma esfera restrita – em parte pelo produtor, em parte pelo arrecadador de tributos -, os burgueses eram sobretudo e com exclusividade produtores de mercadorias e comerciantes”, (p. 17 e 18)
“A bandeira religiosa tremulou pela última vez na Inglaterra no século XVII e menos de cinquenta anos mais tarde aparecia na França, sem disfarces, a nova concepção de mundo, fadada a se tornar clássica para a burguesia, a concepção jurídica do mundo”. (p. 18)
“O dogma e o direito divino eram substituídos pelo direito humano, e a Igreja pelo Estado”. (p. 18)

“Contribuiu para consolidar a concepção jurídica de mundo o fato de que a luta da nova classe em ascensão contra os senhores feudais e monarquia absoluta, aliada destes, era uma luta política, a exemplo de toda luta de classes, luta pela posse do Estado, que deveria ser conduzida por meio de reivindicações jurídicas”. (p. 19)
“Assim, como outrora a burguesia, em luta contra a nobreza, durante algum tempo arrastara atrás de sai concepção teológica tradicional de mundo, também o proletariado recebeu inicialmente de sua adversária a concepção jurídica e tentou volta-la contra a burguesia”. (p. 19)

O socialismo utópico aparece como uma primeira negação a esta concepção jurídica do mundo. (p. 20), mas, enquanto a concepção burguesa apela para o sentimento jurídico, a concepção do socialismo utópico apelava para o sentimento de humanidade. Ambas apelavam para sentimentos. (p. 20)

“A classe trabalhadora – despojada da propriedade dos meios de produção no curso da transformação do modo de produção feudal em modo de produção capitalista e continuamente reproduzida pelo mecanismo deste último na situação hereditária de privação de propriedade – não pode exprimir plenamente a própria condição de vida na ilusão jurídica da burguesia. Só pode conhecer plenamente essa condição se enxergar a realidade das coisas, sem as coloridas lentes jurídicas”. (p. 21)
“Compreensivelmente, continua a luta entre as duas concepções; não apenas entre proletariado e burguesia, mas também entre trabalhadores que pensam livremente e aqueles ainda dominados por velhas tradições”. (p. 21)
NR – CRÍTICA DO POSITIVISMO JURÍDICO APLICADA AO DIREITO. SEPARAÇÃO DOS CAMPOS. CIÊNCIA E TECNOLÓGICA.

COMEÇA O DEBATE COM ANTON MENGER:

Irônico: “Assim, devemos nos sentir agradecidos porque, finalmente, um verdadeiro professor de direito, o sr. Anton Menger, digna-se a ‘iluminar os pormenores doutrinários’ da história do socialismo do ponto de vista da ‘filosofia do direito’. Com efeito, até agora os socialistas vêm seguindo um caminho falso. Negligenciaram assunto crucial: ‘Somente quando as ideias socialistas (...) se desligarem (...) da infindável discussão econômico-política e filantrópica e se converterem em sóbrio conceitos jurídicos’ (p. 111), somente quando todos os ‘ordenamentos de economia política’ (p.37) forem removidos, poderá ser encetada a ‘adaptação jurídica do socialismo (...), mas a mais importante tarefa da filosofia do direito de nosso tempo”  (p.111) – p. 22.
“Ora, as ‘ideias socialistas’ tratam precisamente de relações econômico-políticas, sobretudo da relação entre trabalho assalariado e capital. Ao que parece, portanto, as discussões econômico-políticas são muito mais do que meros ‘ornamentos´”. (p. 22)
“Entende-se que a economia também seja ciência e, além disso, algo mais científica do que a filosofia do direito, porque se ocupa de fatos e não, esta última, de representações. Mas, para os juristas profissionais, isso é totalmente indiferente. Para eles, as pesquisas econômicas estão no mesmo plano das declamações filantrópicas. Fiat justitia, pereat mundus (Faça-se justiça, ainda que o mundo pereça)”. (p. 23)

“Além do mais, os ‘ornamentos de economia política’ de Marx – e para os nossos juristas isto é o mais indigesto – não são meros estudos econômicos. São essencialmente estudos históricos”.  (p. 23)

“Desconhece (Menger) totalmente, portanto, que as classes dominantes, na vertente ascendente de seu desenvolvimento, têm funções sociais muito específicas a cumprir, razão pela qual se tornam dominantes. Enquanto socialistas reconhecem a legitimidade histórica temporária dessas classes, Menger declara que a apropriação do excedente é um roubo”. (p. 27)

“Basta. O sr. Professor passa agora a tratar o socialismo à maneira jurídico-filosófica, o que significa reduzi-lo a pequenas fórmulas jurídicas, a ‘direitos fundamentais’ socialistas, reedição dos direitos humanos para o século XIX”. (p. 28)
“Assim, descemos tanto que só nos restaram palavras de ordem. Primeiro, são eliminados a síntese histórica e conteúdo de todo o movimento, para dar lugar à simples ‘filosofia do direito’ ...” (p. 28)

“O sr. Professor revela, então, que todo o socialismo se reduz juridicamente a apenas três palavras de ordem, a três direitos fundamentais. Ei-los:
1.      o direito ao produto integral do trabalho;
2.      o direito à existência;
3.      o direito ao trabalho.”
Depois que despreza o direito ao trabalho, passa a fazer um cotejo entre os dois segundos. Na verdade, decreta o fim da mais-valia com o uso do direito, fazendo uma contraposição entre o direito ao produto integral do trabalho e o direito à existência. Ambos são tidos como universais, sem as especificidades históricas em que são produzidos ambos (p. 28 e 29). Nada mais do que o universalismo típico dos direitos humanos modernos.
A partir daí Engels e Kautsky passam a falar sobre o direito ao produto integral do trabalho, até mesmo porque o cerne da acusação a Marx, a partir desta categoria, seria que Marx teria se expropriado do conceito de mais-valia de Thompson. Engels mostrará que, embora este termo aparece em Thompson, é extremamente diverso do empregado por Marx.
Aliás, é interessante a aproximação que vem com Proudhon (a propriedade privada é um roubo – apropriação do excedente é um roubo, para Menger) constante da p. 29: “O direito dos trabalhadores ao produto integral do trabalho, isto é, o direito singular de cada trabalhador ao produto específico de seu trabalho é, nessa definição, nada mais que doutrina proudhoniana”.

“Algo muito diferente é a reivindicação de que os meios de produção e os produtos devam pertencer à coletividade trabalhadora. Essa reivindicação é comunista e, como Menger reconhece à página 48, ultrapassa a reivindicação no. 1, o que lhe causa não poucos embaraços”. (p. 29)

“Ao sr. Menger parece muito natural que também em uma sociedade socialista se produzam valores de troca, portanto, mercadorias para vender; que o preço do trabalho subsista e que, portanto, a força de trabalho também seja vendida como mercadoria tal como antes. A única questão que lhe interessa é saber se na sociedade socialista o preço histórico e tradicional do trabalho será mantido, embora com aumento, ou se sobreviverá ‘uma determinação inteiramente nova do preço do trabalho’. Na opinião de Menger, nesse último caso a sociedade ficaria mais abalada do que pela introdução da própria ordem social socialista! Essa confusão de ideias se evidencia quando nosso sábio, à página 94, fala de uma teoria socialista do valor e imagina, de acordo com um esquema bem conhecido, que a teoria marxiana do valor deva fornecer o critério distributivo à sociedade futura. Sim, na página 56 é explicado que o produto integral do trabalho não é, de forma alguma, algo determinado, já que pode ser avaliado pelo menos por três critérios diferentes. Finalmente, às páginas 161 e 162 ficamos sabendo que o produto integral do trabalho é o ‘princípio natural de distribuição’, cuja viabilidade se restringe a uma sociedade baseada na propriedade coletiva, embora de utilização restrita, a uma sociedade, portanto, que atualmente nenhuma socialista sequer apresenta como finalidade! E excelente filósofo do direito da classe trabalhadora!”. (p. 30)

“Tentamos por todos os meios fazer com que esse obstinado jurista compreendesse que Marx nunca reivindicou o ‘direito ao produto integral do trabalho’, nem jamais apresentou reivindicações jurídicas de qualquer tipo em suas obras teóricas. Nosso jurista parece mesmo ter vaga noção disso quando censura Marx por nunca ter oferecido ‘uma exposição pormenorizada do direito ao produto integral do trabalho’ (p.98)”. (p. 34)
Fala, após, que o direito apenas ocupa posição secundária nas preocupações de Marx.
“Marx compreende a inevitabilidade histórica e, em consequência, a legitimidade dos antigos senhores de escravos, dos senhores feudais medievais etc. como alavancas do desenvolvimento humano em um período histórico limitado; do mesmo modo, reconhece também a legitimidade histórica temporária da exploração, da apropriação do produto do trabalho de outros; mas demonstra igualmente não apenas que essa legitimidade histórica já desapareceu, mas também que4 a continuidade da exploração, sob qualquer forma, ao invés de promover o desenvolvimento social, dificulta-o cada vez mais e implica choques crescentemente violentos”. (p. 34).
A partir daqui começa discussão sobre a questão do mais-valor em Thompson e em Marx. E, ao falar na inadequação de tratar como marxismo científico o que é feito por Thompson de forma supostamente inédito, os autores falam “Mas é isso que ocorre quando se reduz um movimento histórico-mundial a palavras de ordem jurídicas de algibeira” . (p. 36)

“Isso naturalmente não significa que os socialistas renunciem a propor determinadas reivindicações jurídicas. É impossível que um partido socialista ativo não as tenha, como qualquer partido político em geral. As reivindicações resultantes dos interesses comuns de uma classe só podem ser realizadas quando essa classe conquista o poder político e suas reivindicações alcançam validade universal sob a forma de leis. Toda classe em luta precisa, pois, formular suas reivindicações em um programa, sob a forma de reivindicações jurídicas. Mas as reivindicações de cada classe mudam no decorrer das transformações sociais e políticas e são diferentes em cada país, de acordo com as particularidades e o nível de desenvolvimento social. Daí decorre também o fato de que as reivindicações jurídicas de cada partido singular, apesar de concordarem quanto à finalidade, não serem completamente iguais em todas as épocas e entre todos os povos. Constituem elemento variável e são revistas de tempos em tempos, como se pode observar nos partidos socialistas de diversos países. Para essas revisões, são a relações reais que devem ser levadas em conta; em contrapartida, não ocorreu a nenhum dos partidos socialista existentes fazer uma nova filosofia do direito a partir do seu programa, e possivelmente não lhes ocorrerá no futuro. O que o sr. Menger perpetrou nesse campo pode, ao menos,  servir de lição. Esse é o único aspecto positivo de seu trabalho” (p. 47 e 48)

Relatório de Leitura e Debate - 24/10

ENGELS, Friedrich; KAUTSKY, Karl. O socialismo jurídico. Trad. COTRIM, Lívia; NAVES, Márcio Bilharinho. 2ª ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2012.

Debate do grupo em torno das seguintes observações de Márcio Naves, na sua introdução ao texto:

TRECHO DEBATIDO -
Mas além disso, Engels e Kautsky acrescentam que o movimento socialista não elabora ‘uma nova filosofia do direito’, isto é, não pode existir um ‘direito socilaista’, e que o direito burguês perdura na fase de transição socialista até que se extinga a forma valor. Só quando a  natureza das relações de produção e o caráter das forças produtivas capitalistas forem revolucionarizados, e as formas mercantis extintas, só então será possível, como dizia Karl Marx na Crítica do Programa de Gotha, ultrapassar o estreito horizonte do direito burguês e conhecer, por fim, a liberdade real jamais experimentada, a liberdade comunista” (p. 15 e 16)
EM RODAPÉ NAS P. 15 E 16: “Transferência da titularidade não é, evidentemente, incompatível com o direito burguês. Observemos, porém, que Engels e Kautsky não se referem à propriedade, mas à ‘posse’ dos meios de produção, apontando, assim, para uma condição não jurídica, absolutamente necessária para a instauração das novas relações sociais, a apropriação real dos meios de produção pelos trabalhadores. É por isso que essa reivindicação é incompatível com o direito burguês, porque ela traz em si um elemento que anula a sua natureza jurídica. De modo que, nesse inocente ‘deslize’ jurídico, revela-se a impossibilidade de se sair desse círculo de ferro: uma vez apenas formulada, a reivindicação jurídica simplesmente se despedaça!”

Trata-se de um abstração, tratar de forma indistinta todas as possibilidades de uso tático do direito. Não se pode fazer tal exercício no abstrato. Não deve ser tido como um dado, mas deve sim ser localizado socialmente.
Transição do modo de produção – Uma coisa é a transição e outra coisa são as reivindicações num determinado momento detonam a revolução. Critério de validade no concreto a partir dos dados da própria revolução. Há que se realizar um cotejo entre as questões políticas e as questões teóricas. Ex: a reforma agrária. Não basta pensar na finalidade, as condições devem existir. Revolução permanente de Trotsky
No direito, pensar o que rompe com a forma jurídica. Na política, o que rompe com a forma política. Há política alienante (Mészáros).

PARTES DA PRÓPRIA OBRA EM QUE HOUVE DEBATE-

“Na idade média, a concepção de mundo era essencialmente teológica” (...) “Jurisprudência, ciência da natureza e filosofia, tudo se resumia em saber se o conteúdo estava ou não de acordo com as doutrinas da igreja. Entretanto, no seio da feudalidade desenvolvia-se o poder da burguesia. Uma classe nova se contrapunha aos grandes proprietários de terras. Enquanto o modo de produção feudal se baseava essencialmente no autoconsumo de produtos elaborados no interior de uma esfera restrita – em parte pelo produtor, em parte pelo arrecadador de tributos -, os burgueses eram sobretudo e com exclusividade produtores de mercadorias e comerciantes”, (p. 17 e 18)
“A bandeira religiosa tremulou pela última vez na Inglaterra no século XVII e menos de cinquenta anos mais tarde aparecia na França, sem disfarces, a nova concepção de mundo, fadada a se tornar clássica para a burguesia, a concepção jurídica do mundo”. (p. 18)
“O dogma e o direito divino eram substituídos pelo direito humano, e a Igreja pelo Estado”. (p. 18)

Nesse processo, identifica-se o que já aparece em Comte (teológico, positivo) e Weber (dominação tradicional e dominação jurídica). 
Verifica-se ainda alguns dados muito constantes na leitura de Pasukanis.


“Contribuiu para consolidar a concepção jurídica de mundo o fato de que a luta da nova classe em ascensão contra os senhores feudais e monarquia absoluta, aliada destes, era uma luta política, a exemplo de toda luta de classes, luta pela posse do Estado, que deveria ser conduzida por meio de reivindicações jurídicas”. (p. 19)
“Assim, como outrora a burguesia, em luta contra a nobreza, durante algum tempo arrastara atrás de sai concepção teológica tradicional de mundo, também o proletariado recebeu inicialmente de sua adversária a concepção jurídica e tentou volta-la contra a burguesia”. (p. 19)

A reforma de Lutero e a burguesia tentando mudar a sociedade pela religião (Ideologia alemã e Engels Do socialismo utópico ao socialismo científico). Surgimento do sujeito.
Interpretação livre da bíblia. Autoridade fé é substituída pela fé na autoridade.
O direito vem das relações e o estado universaliza. Igualdade jurídica. Práticas e estruturas. O direito só existe pelo comportamento das pessoas por outros motivos.

O socialismo utópico aparece como uma primeira negação a esta concepção jurídica do mundo. (p. 20), mas, enquanto a concepção burguesa apela para o sentimento jurídico, a concepção do socialismo utópico apelava para o sentimento de humanidade. Ambas apelavam para sentimentos. (p. 20)

O direito não é fruto do estado, não seria também componente da política.
Owen cria formas de lutas dentro do capitalismo. Há uma rejeição ao terreno jurídico e política – sentimento de justiça e dignidade da pessoa humana. Na forma estado, o direito é política.
Mészaros – democracia burguesa e igualdade jurídica. Política e alienação.
Luta pela moradia e ao direito à moradia. A luta na forma. Deve-se buscar tal superação.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Relatório de leitura e debate - 17/10

ENGELS, Friedrich. A Dialética da Natureza.

Capítulos Formas Fundamentais do Movimento e Apêndice I - Humanização do Macaco pelo Trabalho


A leitura desta semana mostra como Engels adentrava com desenvoltura em temas de física, química e matemática. Logo no início do capítulo, Engels enuncia uma noção bem ampla de movimento, que, “em seu sentido mais geral, concebido como forma de existência, como atributo inerente à matéria, compreende todas as transformações e processos que se produzem no Universo, desde as simples mudanças de lugar até a elaboração do pensamento”.
Neste sentido, desenvolve filosoficamente o que entende por movimento, estabelecendo que “não é possível conceber a matéria sem movimento. E, já que a matéria se nos apresenta como uma coisa de fato, tão increável como indestrutível, daí se deduz que também o movimento é tão indestrutível como increável”. Expressa, assim, a seu modo, a lei da conservação do movimento ou da energia, a qual por alguns séculos já embasava as pesquisas físicas.
     Engels, então, passa a estudar o movimento, dedicando especificamente à discussão sobre as forças que atuam sobre os planetas. Na verdade, esboça mais um histórico de como a questão foi tratada teoricamente por diversos pensadores. Porém, parece escorregar ao supor que “Se o elemento diretamente central do movimento planetário está representado pela gravidade, pela atração entre ele e o corpo central, o outro fator - o tangencial - se nos apresenta como um resto, sob a forma transmitida ou modificada, da primeira repulsão entre as diferentes partículas da esfera gasosa.” Isto porque, na verdade, o fator tangencial, como ele mesmo explicara acima, não é um fator da força, mas da velociade; porém, esta velocidade não está presente apenas porque houve uma repulsão primeva, mas em razão mesmo da força centrípeta exercida pelo sol, a qual mantém a Terra em movimento.
Depois, Engels expressamente mostra que a sua pretensão é que o “pensamento dialético consiga conduzir-nos, pelo menos, tão longe quanto o cálculo matemático.”
E o faz valendo-se da clássica querela entre os cartesianos e Leibniz, acerca da medida do movimento, que para aqueles seria proporcional à velocidade, para este ao quadrado da velocidade. Engels vê aí medidas contraditórias do movimento, porém, na verdade, parece que se tratam de medidas de coisas bem distintas, que apenas por uma questão terminológica, e não por uma contradição, poderiam ser confrontadas. De fato, a princípio, não se pode dizer que em mv haja negação determinada de mv², exceto se se quiser equiparar uma operação de diferenciação à negação determinada da dialética, o que parece ser ir longe demais no escopo desta.
Mas o próprio Engels, adiante, conclui que “Em poucas palavras: m v é movimento mecânico, medido em movimento mecânico; 1/2 m v2 é movimento mecânico medido segundo sua capacidade para transformar-se em uma determinada quantidade de outro movimento; e vimos já que ambas essas medidas não entram em contradição apesar de serem diferentes” e que “Daí resulta que a polêmica entre Leibnitz e os cartesianos não era, de forma alguma, uma simples disputa em torno de palavras; e que a desaprovação de d'Alembert podia ter evitado suas tiradas sobre a falta de clareza de seus predecessores, visto como acabou sendo tão pouco claro quanto eles”.
A partir daí, Engels problematiza o conceito de trabalho, no sentido físico, da mecânica moderna, apontando que tal conceito não fica esclarecido com a afirmação de que a transformação do movimento proporcional em quantidade é a realização de um trabalho. Explica, então, a partir de um exemplo sobre a máquina do vapor, no qual aplica a lei da conservação da energia, que “O trabalho é, assim, uma simples mudança de forma do movimento, considerado sob seu aspecto quantitativo”.
Na sequência, Engels tratará também dos fenômenos do calor e da eletricidade, sempre demonstrando estar atualizado com diversas discussões de ciências naturais e exatas da época.
Por fim, tratemos do texto “Humanização do Macaco pelo Trabalho”, presente no Apêndice I. Engels inicia o capítulo com uma importante passagem:

“O trabalho é a fonte de toda riqueza, afirmam os economistas. E o é, de fato, ao lado da Natureza, que lhe fornece a material por ele transformada em riqueza. Mas é infinitamente mais do que isso. É a condição fundamental de toda a vida humana; e o é num grau tão elevado que, num certo sentido, pode-se dizer: o trabalho, por si mesmo, criou o homem”.

Nesta passagem, Engels apresenta uma concepção filosoficamente ampla de trabalho. Parece mesmo que Engels, ao afirmar que “o trabalho, por si mesmo, criou o homem”, vai além de Marx, que não chega a fazer afirmação tão direta. Mas desde o jovem Marx (por exemplo, nos Manuscritos Econômico-filosóficos), já é possível encontrar a formulação de que o trabalho diferencia o homem de outras espécies, as quais produzem apenas o indispensável à sobrevivência imediata, enquanto o homem produz universalmente. Então, a rigor, não haveria inovação na passagem de Engels com relação a Marx. A ideia de que o trabalho diferencia o homem já estava presente neste, embora jamais tivesse sido elaborada de forma tão direta quanto a de Engels.
Neste sentido, mais adiante no texto, Engels afirma que: “Resumindo: o animal apenas utiliza a Natureza, nela produzindo modificações somente por sua presence; o homem a submete, pondo-a a serviço de seus fins determinados, imprimindo-lhe as modificações que julga necessárias, isto é, domina a Natureza. E esta é a diferença essencial e decisive entre o homem e os demais animais; e, por outro lado, é o trabalho que determina essa diferença”.
Em suma, enquanto o animal usa a natureza, o homem a domina.
É importante, neste ponto, precisar o que se entende por trabalho, o que se está a falar quando se fala em trabalho: trata-se de um intercâmbio básico com a natureza ou trata-se do trabalho abstrato sob um sistema capitalista de produção? Tal discussão pode se aproximar daquela discussão terminológica sobre o uso dos termos “uso” ou “valor de uso” – Marx teria se valido desta última terminologia, e não da primeira, porque pretendia aguçar a contradição existente com o “valor de troca”.
Trata-se de discussão central porque vem aparecendo em diferentes momentos da obra de Marx e Engels e pode ser apropriada como importante contribuição do nosso grupo ao pensamento marxista. Já está bem estabelecido na ciência marxista do direito, a partir dos estudos de Márcio Naves, que o direito é uma especificidade histórica do capitalismo, embora a história tenha observado, no passado, fenômenos de normatividade aos quais se atribuiu o nome direito. Vimos, ainda, nas leituras do Anti-Dühring, que Engels fazia elaboração semelhante a respeito da economia política, sustentando inexistir economia antes do capitalismo, nesse mesmo sentido bastante preciso. Assim, não haveria porque negar a mesma especificidade histórica ao trabalho, de modo que seria possível afirmar, em tese, que o trabalho entendido de forma geral como intercâmbio com a natureza, é o que humaniza os macacos antropoides e , portanto, pode ser observado em toda a história humana. Mas trabalho, no sentido atual, somente pode ser considerado o trabalho abstrato subsumido de forma formal e real ao capital. É necessário investigar as consequências daí advindas.
Neste texto também se encontra importante passagem para fundamentar a noção de que a linguagem surge do trabalho, surge de uma necessidade do trabalho, ao contrário do que afirmado por certas tendências filosóficas contemporâneas, que invertem a questão ao afirmar que a linguagem, e não o trabalho, cria a socialidade. Assim, afirma Engels que o aprerfeiçoamento do trabalho “contribuía para aproximar, cada vez mais, os membros da sociedade; para multiplicar os casos de ajuda mútua, de ação em comum, criando, em cada um, a consciência da utilidade dessa colaboração. Em resumo: os homens em formação atingiram um ponto em que tinham alguma coisa a dizer uns aos outros. A necessidade criou [e este trecho talvez exija mais reflexão], para isso, um órgão apropriado: a tosca laringe do macaco transformou-se lentamente, mas num sentido definido, adquirindo modulações cada vez mais diferenciadas; e os órgãos da boca foram aprendento gradualmente a pronunciar uma palavra após a outra”.
Em suma, primeiro surge o trabalho, após a linguagem, e não o contrário. Se é a consciência e a linguagem que define o ser humano, o ser humano nasce não humano; nasce ser humano apenas em potência, tornando-se plenamente humano com o trabalho, com a linguagem, etc. O fato da fala e o fato da comunicação, assim, aparecem como necessidade histórica. E aqui é importante lembrar da passagem dos Grundrisse em que Marx afirma que "Fome é fome, mas a fome que se sacia com carne cozida, comida com garfo e faca, é uma fome diversa da fome que devora carne crua, com mão, unha e dente”. Ou seja, a própria linguagem se desenvolve de acordo com as necessidades históricas.



terça-feira, 22 de outubro de 2013

Relatório de leitura e debate - 10/10

Relatório de leitura e debate
ENGELS, Friedrich. A Dialética da Natureza. 6ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.

Prefácio

               No prefácio de sua obra, Engels começa por chamar atenção para o fato de que, na passagem da Idade Média à Idade Moderna, os intelectuais eram caracterizados por uma leitura totalizante da realidade, dedicando-se igualmente a todas as ciências e às artes. O mesmo fato foi destacado também por Lukács em sua obra “A destruição da razão” (indisponível em português, mas acessível em sua edição espanhola: LUKÁCS, György. El asalto a la razón. Barcelona: Grijalbo, 1976.), na qual ele contrasta essa notável característica da ciência da era moderna com a acentuada divisão do trabalho que passa a caracterizar a produção científica a partir do século XIX, muito em função do surgimento e progressivo domínio do positivismo científico como fundamento epistemológico de toda essa produção.
               Uma questão bastante interessante surge desse contraste, principalmente no contexto de uma interpretação marxista da produção científica. Ela diz respeito à ligação que poderia haver entre o estado das forças produtivas da sociedade e a produção científica que a acompanha. Com efeito, Leonardo da Vinci, utilizado como exemplo por Engels em seu texto, vivia em uma sociedade de forças produtivas ainda bastante artesanais, o que permitiria que seu próprio modo de fazer ciência fosse artesanal e, por isso, com domínio de todo o processo de conhecimento. Com a progressiva implantação da divisão do trabalho como base das forças produtivas industriais, também as ciências cederiam a essa realidade, permitindo uma superespecialização do cientista. O debate relevante consiste justamente na identificação das vantagens e desvantagens dessa especialização excessiva, dessa divisão do trabalho sempre crescente, sobre a posição do intelectual totalizante, de que o último exemplo histórico talvez tenha sido o próprio Engels, ao lado de Marx. A questão é bastante complexa porque se, de um lado, a falta de visão de totalidade retira em grande medida a capacidade crítica do cientista, que passa a produzir conhecimento de forma desconectada de sua repercussão social e, pior, na maior parte dos casos atendendo a interesses ligados ao financiamento de sua pesquisa, por outro lado a superespecialização permite avanços e descobertas que, talvez, jamais seriam atingidos por cientistas de pensamento totalizante, por consumirem décadas de pesquisas absolutamente pontuais. O problema parece estar ligado ainda à definição de totalidade como síntese de múltiplas determinações e a impossibilidade de abordagem de todas as determinações em sua integral complexidade. Daí a divisão dos cientistas em regiões da totalidade e a variação de concretude e abstração conforme as determinações estão mais ou menos próximas da totalidade.
               O prefácio destaca ainda a superação das ideias acerca da petrificação da natureza, demonstrando seu caráter histórico, tanto na transição da natureza inorgânica para a orgânica, quanto no interior da própria natureza orgânica, com destaque para a transformação das espécies e sua evolução. Engels aponta Kant como o precursor dessa elaboração na filosofia, associando seu tratamento da questão da historicidade da natureza com uma frase de Newton, que assim advertia seus colegas: “Física, toma cuidado com a metafísica!”. A informação de Engels é absolutamente curiosa porque mostra que Kant, que começa sua vida de estudos como um naturalista para somente mais tarde dedicar-se à filosofia, pensava sobre a natureza de forma oposta ao que pensava sobre o ser humano, já que se destacou exatamente como um grande filósofo metafísico.  O esforço de Engels é bastante interessante também por revelar que, embora evidentemente exista um salto entre a natureza orgânica e a inorgânica, as descobertas de que ele trata revelam que elas são muito mais próximas do que se supunha anteriormente, inexistindo qualquer abismo ou separação radical entre elas, que se encontram, na verdade, participando de uma mesma historicidade, que mais tarde abrigará também o ser humano, depois de outro salto.

“Com o homem, entramos na história. Também os animais têm uma história: a de sua descendência e desenvolvimento gradual até seu estado atual. Mas essa história é feita para eles e, na medida em que eles mesmos dela participam, se realiza sem que o saibam ou queiram. Os homens, pelo contrário, quanto mais se afastam do animal, entendido limitadamente, tanto mais fazem eles próprios sua história, correspondendo, cada vez com maior exatidão, o resultado histórico aos objetivos previamente estabelecidos” (p. 26).

               O trecho transcrito provoca o debate teórico mais profundo contido no prefácio d’A dialética da natureza: o sentido da ideia de teleologia e suas relações com o humanismo. Engels parece nesse trecho ser muito tributário da ideia de teleologia histórica de Hegel, duramente criticada por Althusser em seu A querela do humanismo. Lukács, na Ontologia do ser social, também identifica uma teleologia que caracterizaria o ser humano, redutível, aparentemente, à própria elaboração marxiana sobre a famigerada diferenciação entre “o pior arquiteto e a melhor abelha”. A questão é profunda, impossível de ser esgotada neste breve relatório, que já dá como contribuição enunciá-la para que paute leituras futuras: a teleologia de que falam Marx, Althusser e Lukács é individual, ligada ao ideamento prévio que cada ser humano formula em sua relação de transformação com a natureza, ou histórica, no sentido hegeliano, de modo que a história humana seria uma história da progressiva liberdade, entendida em sentido marxiano, como ausência de necessidade, tornando-se, destarte, uma história da evolução das forças produtivas teleologicamente orientada? A questão provoca ainda outra: existe primazia entre forças produtivas e relações de produção na determinação histórica? Perceba-se que a diferença de olhar sobre o tema provoca elaborações comumente tidas por radicalmente diversas. Enquanto o foco nas relações de produção sobreleva o papel da política e, portanto, afasta-se da teleologia, o foco nas forças produtivas tende a provocar reflexões ligadas à exigência de um relativo grau de afastamento do reino da necessidade para uma transformação da organização social e das relações de produção, aproximando-se da ideia da teleologia da liberdade.

Capítulo 1 (Natureza geral da dialética como ciência)

               O primeiro capítulo chama atenção mais por sua ausência do que por sua presença. Tratando-se de texto manuscrito, preparado postumamente para publicação por terceiros, encontra-se cheio de anotações incompletas e para desenvolvimento futuro. Entre elas, a que abre o capítulo: “Desenvolver a natureza geral dialética como ciência das relações, em contraste com a metafísica”. Talvez seja esse o grande texto não escrito do marxismo, embora tenha Althusser assinalado em seu A favor de Marx a desnecessidade de tal elaboração, diante do grande exemplo de sua realização consubstanciado no próprio O Capital.
               Ainda assim, duas questões interessantes devem ser destacadas nesse trecho, em que Engels se dedica a enunciar as três leis da dialética. A primeira diz respeito à transformação da quantidade em qualidade, que ele faz acompanhar da expressão vice-versa. É bastante comum que textos marxistas abordem a questão da transformação da quantidade em qualidade como forma de manifestação da dialética, mas um pouco mais raro encontrar a elaboração contrária, da transformação da qualidade em quantidade. Embora Engels não se aprofunde nessa questão, parece que a dialética não pode limitar-se a um dos sentidos dessa transformação, sob pena de incorrer justamente na pior versão de uma teleologia histórica externa ao processo, no contexto da discussão noticiada acima e contida no prefácio.
               Outra questão curiosa se refere à localização da dialética no pensamento hegeliano. Engels é explícito em afirmar que Hegel estabelece as três leis da dialética “de acordo com sua concepção idealista, como simples leis do pensamento (...). O erro consiste em que essas leis são impostas à Natureza e à História, não tendo sido deduzidas como resultado de sua observação, mas como leis do pensamento” (p. 34). É bastante claro que no pensamento marxista as leis dialéticas são imanentes ao desenvolvimento histórico, sendo desnecessário recorrer à problemática figura da inversão da filosofia hegeliana – Engels recorre a esta elaboração neste trecho – para afirmá-lo. O que há de mais digno de nota nessa passagem, entretanto, é o fato de que Engels identifica que o próprio Hegel já teria deixado isso claro em sua obra, ao mostrar-se incapaz de fornecer quaisquer exemplos das leis dialéticas que não se encontrassem na natureza e na história.


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Marxismo e Direito

O sítio eletrônico Marxismo 21 http://marxismo21.org/ traz diversos textos, dos clássicos aos contemporâneos, sobre marxismo e direito. Contribuições de membros do nosso grupo são encontradas na página, como: Marcus Correia e Pablo Biondi, Uma leitura marxista do trabalho doméstico e Thiago Barison de Oliveira, Poulantzas e o direito: um estudo de “Poder político e Classes sociais”.
Copiamos aqui a apresentação da página na internet:
Nesta página publicamos textos, vídeos e sites que abordam a questão teórica do direito. O dossiê “Marxismo e Direito” está organizado em oito seções; nas três primeiras são indicados: 1) textos de clássicos do marxismo: Marx, Engels, Korsch, Trostky, Luxemburgo, Liebknecht e Lunacharsky, assim como de juristas soviéticos que procuram sistematizar a crítica marxista do direito, entre os quais se destacam: Pachukanis, Stutchka e Vychinskij; 2) textos de autores e comentadores contemporâneos de vários países, especialmente, de origem latino-americana e 3) contribuições de estudiosos brasileiros. Nas demais partes, divulgamos outros textos que não se fundam sobre pressupostos e categorias marxistas, mas que se orientam por uma perspectiva crítica do direito. São também informados sites de entidades que desempenham um papel progressista na luta ideológica; resenhas de livros relevantes para a discussão da problemática do dossiê; entrevistas, vídeos e áudios e sites de revistas da área de direito que se orientam pela perspectiva marxista e crítica do direito.
Como resultado de um trabalho coletivo, deve-se destacar que este dossiê foi proposto e, inicialmente, organizado por dois pesquisadores, Moisés Alves Soares (SOCIESC) e Ricardo Prestes Pazello (UFPr), vinculados ao Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS). A eles bem como ao pesquisador Celso Naoto Kashiura Jr. (Facamp) somos gratos pela valiosa colaboração na produção deste dossiê editado pelo Comitê Editorial de marxismo21.
Editores

sábado, 5 de outubro de 2013

A lacuna da tradução de Anti-Dühring para o português

Na última semana terminamos a leitura da obra Anti-Dühring, de Engels. A obra em português pode ser encontrada em https://www.marxists.org/portugues/marx/1877/antiduhring/index.htm .
Observe-se que os três últimos capítulos da parte III estão em branco, também não constando em outras edições brasileiras. Mas o texto pode ser acessado na edição em inglês, em http://www.marxists.org/archive/marx/works/1877/anti-duhring/ . Nestes capítulo, Engels sintetiza a teoria econômica marxista e discute alguns aspectos superestruturais. São capítulos importantes e cuja ausência causa séria lacuna na tradução pra o português.