terça-feira, 29 de outubro de 2013

Relatório de leitura e debate - 17/10

ENGELS, Friedrich. A Dialética da Natureza.

Capítulos Formas Fundamentais do Movimento e Apêndice I - Humanização do Macaco pelo Trabalho


A leitura desta semana mostra como Engels adentrava com desenvoltura em temas de física, química e matemática. Logo no início do capítulo, Engels enuncia uma noção bem ampla de movimento, que, “em seu sentido mais geral, concebido como forma de existência, como atributo inerente à matéria, compreende todas as transformações e processos que se produzem no Universo, desde as simples mudanças de lugar até a elaboração do pensamento”.
Neste sentido, desenvolve filosoficamente o que entende por movimento, estabelecendo que “não é possível conceber a matéria sem movimento. E, já que a matéria se nos apresenta como uma coisa de fato, tão increável como indestrutível, daí se deduz que também o movimento é tão indestrutível como increável”. Expressa, assim, a seu modo, a lei da conservação do movimento ou da energia, a qual por alguns séculos já embasava as pesquisas físicas.
     Engels, então, passa a estudar o movimento, dedicando especificamente à discussão sobre as forças que atuam sobre os planetas. Na verdade, esboça mais um histórico de como a questão foi tratada teoricamente por diversos pensadores. Porém, parece escorregar ao supor que “Se o elemento diretamente central do movimento planetário está representado pela gravidade, pela atração entre ele e o corpo central, o outro fator - o tangencial - se nos apresenta como um resto, sob a forma transmitida ou modificada, da primeira repulsão entre as diferentes partículas da esfera gasosa.” Isto porque, na verdade, o fator tangencial, como ele mesmo explicara acima, não é um fator da força, mas da velociade; porém, esta velocidade não está presente apenas porque houve uma repulsão primeva, mas em razão mesmo da força centrípeta exercida pelo sol, a qual mantém a Terra em movimento.
Depois, Engels expressamente mostra que a sua pretensão é que o “pensamento dialético consiga conduzir-nos, pelo menos, tão longe quanto o cálculo matemático.”
E o faz valendo-se da clássica querela entre os cartesianos e Leibniz, acerca da medida do movimento, que para aqueles seria proporcional à velocidade, para este ao quadrado da velocidade. Engels vê aí medidas contraditórias do movimento, porém, na verdade, parece que se tratam de medidas de coisas bem distintas, que apenas por uma questão terminológica, e não por uma contradição, poderiam ser confrontadas. De fato, a princípio, não se pode dizer que em mv haja negação determinada de mv², exceto se se quiser equiparar uma operação de diferenciação à negação determinada da dialética, o que parece ser ir longe demais no escopo desta.
Mas o próprio Engels, adiante, conclui que “Em poucas palavras: m v é movimento mecânico, medido em movimento mecânico; 1/2 m v2 é movimento mecânico medido segundo sua capacidade para transformar-se em uma determinada quantidade de outro movimento; e vimos já que ambas essas medidas não entram em contradição apesar de serem diferentes” e que “Daí resulta que a polêmica entre Leibnitz e os cartesianos não era, de forma alguma, uma simples disputa em torno de palavras; e que a desaprovação de d'Alembert podia ter evitado suas tiradas sobre a falta de clareza de seus predecessores, visto como acabou sendo tão pouco claro quanto eles”.
A partir daí, Engels problematiza o conceito de trabalho, no sentido físico, da mecânica moderna, apontando que tal conceito não fica esclarecido com a afirmação de que a transformação do movimento proporcional em quantidade é a realização de um trabalho. Explica, então, a partir de um exemplo sobre a máquina do vapor, no qual aplica a lei da conservação da energia, que “O trabalho é, assim, uma simples mudança de forma do movimento, considerado sob seu aspecto quantitativo”.
Na sequência, Engels tratará também dos fenômenos do calor e da eletricidade, sempre demonstrando estar atualizado com diversas discussões de ciências naturais e exatas da época.
Por fim, tratemos do texto “Humanização do Macaco pelo Trabalho”, presente no Apêndice I. Engels inicia o capítulo com uma importante passagem:

“O trabalho é a fonte de toda riqueza, afirmam os economistas. E o é, de fato, ao lado da Natureza, que lhe fornece a material por ele transformada em riqueza. Mas é infinitamente mais do que isso. É a condição fundamental de toda a vida humana; e o é num grau tão elevado que, num certo sentido, pode-se dizer: o trabalho, por si mesmo, criou o homem”.

Nesta passagem, Engels apresenta uma concepção filosoficamente ampla de trabalho. Parece mesmo que Engels, ao afirmar que “o trabalho, por si mesmo, criou o homem”, vai além de Marx, que não chega a fazer afirmação tão direta. Mas desde o jovem Marx (por exemplo, nos Manuscritos Econômico-filosóficos), já é possível encontrar a formulação de que o trabalho diferencia o homem de outras espécies, as quais produzem apenas o indispensável à sobrevivência imediata, enquanto o homem produz universalmente. Então, a rigor, não haveria inovação na passagem de Engels com relação a Marx. A ideia de que o trabalho diferencia o homem já estava presente neste, embora jamais tivesse sido elaborada de forma tão direta quanto a de Engels.
Neste sentido, mais adiante no texto, Engels afirma que: “Resumindo: o animal apenas utiliza a Natureza, nela produzindo modificações somente por sua presence; o homem a submete, pondo-a a serviço de seus fins determinados, imprimindo-lhe as modificações que julga necessárias, isto é, domina a Natureza. E esta é a diferença essencial e decisive entre o homem e os demais animais; e, por outro lado, é o trabalho que determina essa diferença”.
Em suma, enquanto o animal usa a natureza, o homem a domina.
É importante, neste ponto, precisar o que se entende por trabalho, o que se está a falar quando se fala em trabalho: trata-se de um intercâmbio básico com a natureza ou trata-se do trabalho abstrato sob um sistema capitalista de produção? Tal discussão pode se aproximar daquela discussão terminológica sobre o uso dos termos “uso” ou “valor de uso” – Marx teria se valido desta última terminologia, e não da primeira, porque pretendia aguçar a contradição existente com o “valor de troca”.
Trata-se de discussão central porque vem aparecendo em diferentes momentos da obra de Marx e Engels e pode ser apropriada como importante contribuição do nosso grupo ao pensamento marxista. Já está bem estabelecido na ciência marxista do direito, a partir dos estudos de Márcio Naves, que o direito é uma especificidade histórica do capitalismo, embora a história tenha observado, no passado, fenômenos de normatividade aos quais se atribuiu o nome direito. Vimos, ainda, nas leituras do Anti-Dühring, que Engels fazia elaboração semelhante a respeito da economia política, sustentando inexistir economia antes do capitalismo, nesse mesmo sentido bastante preciso. Assim, não haveria porque negar a mesma especificidade histórica ao trabalho, de modo que seria possível afirmar, em tese, que o trabalho entendido de forma geral como intercâmbio com a natureza, é o que humaniza os macacos antropoides e , portanto, pode ser observado em toda a história humana. Mas trabalho, no sentido atual, somente pode ser considerado o trabalho abstrato subsumido de forma formal e real ao capital. É necessário investigar as consequências daí advindas.
Neste texto também se encontra importante passagem para fundamentar a noção de que a linguagem surge do trabalho, surge de uma necessidade do trabalho, ao contrário do que afirmado por certas tendências filosóficas contemporâneas, que invertem a questão ao afirmar que a linguagem, e não o trabalho, cria a socialidade. Assim, afirma Engels que o aprerfeiçoamento do trabalho “contribuía para aproximar, cada vez mais, os membros da sociedade; para multiplicar os casos de ajuda mútua, de ação em comum, criando, em cada um, a consciência da utilidade dessa colaboração. Em resumo: os homens em formação atingiram um ponto em que tinham alguma coisa a dizer uns aos outros. A necessidade criou [e este trecho talvez exija mais reflexão], para isso, um órgão apropriado: a tosca laringe do macaco transformou-se lentamente, mas num sentido definido, adquirindo modulações cada vez mais diferenciadas; e os órgãos da boca foram aprendento gradualmente a pronunciar uma palavra após a outra”.
Em suma, primeiro surge o trabalho, após a linguagem, e não o contrário. Se é a consciência e a linguagem que define o ser humano, o ser humano nasce não humano; nasce ser humano apenas em potência, tornando-se plenamente humano com o trabalho, com a linguagem, etc. O fato da fala e o fato da comunicação, assim, aparecem como necessidade histórica. E aqui é importante lembrar da passagem dos Grundrisse em que Marx afirma que "Fome é fome, mas a fome que se sacia com carne cozida, comida com garfo e faca, é uma fome diversa da fome que devora carne crua, com mão, unha e dente”. Ou seja, a própria linguagem se desenvolve de acordo com as necessidades históricas.



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