quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Trechos escolhidos do Prefácio e do Texto de ENGELS, Friedrich; KAUTSKY, Karl. O socialismo jurídico - 24/10

ENGELS, Friedrich; KAUTSKY, Karl. O socialismo jurídico. Trad. COTRIM, Lívia; NAVES, Márcio Bilharinho. 2ª ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2012.

Para entender em que contexto o texto foi escrito, há que se destacar algumas passagens do prefácio de Márcio Naves:

“O texto ‘O socialismo jurídico’ foi  publicado originalmente na revista da social-democracia alemã Die Neue Zeit (A Nova Gazeta), em 1887, sem que fossem nomeados seus autores, só depois identificados como Friedrich Engels e Karl Kautsky. A redação havia sido iniciada por Engels, mas, tendo ele adoecido, Kautsky foi chamado para completar o artigo.
O objetivo mais imediato da iniciativa de Engels era dar resposta aos ataques que Marx vinha sofrendo, assim como elaborar uma crítica à ideologia jurídica e combater a sua influência no movimento operário.
‘O socialismo jurídico’ é uma crítica ao livro de Anton Menger, O direito ao produto integral do trabalho historicamente exposto, publicado no ano de 1886, e que vinha obtendo grande repercussão nos meios socialistas. Nascido na Áustria, Menger (1841-1906) foi professor de Direito Processual Civil, reitor da Universidade de Viena e um dos mais expressivos representantes do socialismo jurídico.
Em seu livro, Menger propõe-se a tarefa de reelaborar o socialismo de um ponto de vista jurídico, possibilitando a transformação do ordenamento jurídico por meios pacíficos. Além disso, procura demonstrar que a concepção teórica de Marx e Engels  era simplesmente um plágio de autores socialistas que os precederam” (p. 09 e 10)

Para a melhor compreensão da questão referente ao socialismo jurídico em si, deve-se destacar a seguinte passagem ainda do prefácio:

“Toda a complexidade da questão reside em que a classe operária deve apresentar demandas jurídicas ao mesmo tempo que deve recusar o campo jurídico. Como solucionar essa contradição? Observemos, inicialmente, que Engels e Kautsky referem-se a reivindicações de classe que só podem ser realizadas quando essa classe alcança o poder político, o que quer dizer que elas não se referem às condições atuais, mas às condições futuras de uma nova sociedade. Portanto, não autorizam um projeto reformista fundado no atendimento de demandas jurídicas no quadro da sociedade burguesa, que é justamente a posição do socialismo jurídico.
As reivindicações jurídicas do proletariado devem conter um elemento desestabilizador, que ‘perturbe’ a quietute do domínio da ideologia jurídica. É precisamente a isso que se refere Peter Schöttler quando menciona  um texto de Engels no qual ele aponta para a espécie de reivindicação jurídico que o movimento operário pode exprimir: Engels, após analisar a tradicional reivindicação jurídica do movimento sindical em favor de uma salário “justo”, sugere a sua substituição pela reivindicação de posse dos meios de produção pelos trabalhadores.
Ora, essa reivindicação é incompatível com o direito burguês, revela os seus limites e demonstra a necessidade de sua abolição.
Mas além disso, Engels e Kautsky acrescentam que o movimento socialista não elabora ‘uma nova filosofia do direito’, isto é, não pode existir um ‘direito socilaista’, e que o direito burguês perdura na fase de transição socialista até que se extinga a forma valor. Só quando a  natureza das relações de produção e o caráter das forças produtivas capitalistas forem revolucionarizados, e as formas mercantis extintas, só então será possível, como dizia Karl Marx na Crítica do Programa de Gotha, ultrapassar o estreito horizonte do direito burguês e conhecer, por fim, a liberdade real jamais experimentada, a liberdade comunista” (p. 15 e 16)

EM RODAPÉ NAS P. 15 E 16: “Transferência da titularidade não é, evidentemente, incompatível com o direito burguês. Observemos, porém, que Engels e Kautsky não se referem à propriedade, mas à ‘posse’ dos meios de produção, apontando, assim, para uma condição não jurídica, absolutamente necessária para a instauração das novas relações sociais, a apropriação real dos meios de produção pelos trabalhadores. É por isso que essa reivindicação é incompatível com o direito burguês, porque ela traz em si um elemento que anula a sua natureza jurídica. De modo que, nesse inocente ‘deslize’ jurídico, revela-se a impossibilidade de se sair desse círculo de ferro: uma vez apenas formulada, a reivindicação jurídica simplesmente se despedaça!”

Abstração e não como se organiza. Não é um dado, mas localizado socialmente.

Transição do modo de produção – Uma coisa é a transição e outra coisa são as reivindicações num determinado momento detonam a revolução ... Critério de validade no concreto do fator de revolução. Questões políticas e questões teóricas. Ex. da reforma agrária. Não basta pensar na finalidade, as condições devem existir. Revolução permanente de Trotsky
Pensar o que rompe com a forma jurídica. Na política o que rompe com a forma política.

PARTES DO TEXTO DE ENGELS E KAUTSKY QUE MERECEM DESTAQUE

“Na idade média, a concepção de mundo era essencialmente teológica” (...) “Jurisprudência, ciência da natureza e filosofia, tudo se resumia em saber se o conteúdo estava ou não de acordo com as doutrinas da igreja. Entretanto, no seio da feudalidade desenvolvia-se o poder da burguesia. Uma classe nova se contrapunha aos grandes proprietários de terras. Enquanto o modo de produção feudal se baseava essencialmente no autoconsumo de produtos elaborados no interior de uma esfera restrita – em parte pelo produtor, em parte pelo arrecadador de tributos -, os burgueses eram sobretudo e com exclusividade produtores de mercadorias e comerciantes”, (p. 17 e 18)
“A bandeira religiosa tremulou pela última vez na Inglaterra no século XVII e menos de cinquenta anos mais tarde aparecia na França, sem disfarces, a nova concepção de mundo, fadada a se tornar clássica para a burguesia, a concepção jurídica do mundo”. (p. 18)
“O dogma e o direito divino eram substituídos pelo direito humano, e a Igreja pelo Estado”. (p. 18)

“Contribuiu para consolidar a concepção jurídica de mundo o fato de que a luta da nova classe em ascensão contra os senhores feudais e monarquia absoluta, aliada destes, era uma luta política, a exemplo de toda luta de classes, luta pela posse do Estado, que deveria ser conduzida por meio de reivindicações jurídicas”. (p. 19)
“Assim, como outrora a burguesia, em luta contra a nobreza, durante algum tempo arrastara atrás de sai concepção teológica tradicional de mundo, também o proletariado recebeu inicialmente de sua adversária a concepção jurídica e tentou volta-la contra a burguesia”. (p. 19)

O socialismo utópico aparece como uma primeira negação a esta concepção jurídica do mundo. (p. 20), mas, enquanto a concepção burguesa apela para o sentimento jurídico, a concepção do socialismo utópico apelava para o sentimento de humanidade. Ambas apelavam para sentimentos. (p. 20)

“A classe trabalhadora – despojada da propriedade dos meios de produção no curso da transformação do modo de produção feudal em modo de produção capitalista e continuamente reproduzida pelo mecanismo deste último na situação hereditária de privação de propriedade – não pode exprimir plenamente a própria condição de vida na ilusão jurídica da burguesia. Só pode conhecer plenamente essa condição se enxergar a realidade das coisas, sem as coloridas lentes jurídicas”. (p. 21)
“Compreensivelmente, continua a luta entre as duas concepções; não apenas entre proletariado e burguesia, mas também entre trabalhadores que pensam livremente e aqueles ainda dominados por velhas tradições”. (p. 21)
NR – CRÍTICA DO POSITIVISMO JURÍDICO APLICADA AO DIREITO. SEPARAÇÃO DOS CAMPOS. CIÊNCIA E TECNOLÓGICA.

COMEÇA O DEBATE COM ANTON MENGER:

Irônico: “Assim, devemos nos sentir agradecidos porque, finalmente, um verdadeiro professor de direito, o sr. Anton Menger, digna-se a ‘iluminar os pormenores doutrinários’ da história do socialismo do ponto de vista da ‘filosofia do direito’. Com efeito, até agora os socialistas vêm seguindo um caminho falso. Negligenciaram assunto crucial: ‘Somente quando as ideias socialistas (...) se desligarem (...) da infindável discussão econômico-política e filantrópica e se converterem em sóbrio conceitos jurídicos’ (p. 111), somente quando todos os ‘ordenamentos de economia política’ (p.37) forem removidos, poderá ser encetada a ‘adaptação jurídica do socialismo (...), mas a mais importante tarefa da filosofia do direito de nosso tempo”  (p.111) – p. 22.
“Ora, as ‘ideias socialistas’ tratam precisamente de relações econômico-políticas, sobretudo da relação entre trabalho assalariado e capital. Ao que parece, portanto, as discussões econômico-políticas são muito mais do que meros ‘ornamentos´”. (p. 22)
“Entende-se que a economia também seja ciência e, além disso, algo mais científica do que a filosofia do direito, porque se ocupa de fatos e não, esta última, de representações. Mas, para os juristas profissionais, isso é totalmente indiferente. Para eles, as pesquisas econômicas estão no mesmo plano das declamações filantrópicas. Fiat justitia, pereat mundus (Faça-se justiça, ainda que o mundo pereça)”. (p. 23)

“Além do mais, os ‘ornamentos de economia política’ de Marx – e para os nossos juristas isto é o mais indigesto – não são meros estudos econômicos. São essencialmente estudos históricos”.  (p. 23)

“Desconhece (Menger) totalmente, portanto, que as classes dominantes, na vertente ascendente de seu desenvolvimento, têm funções sociais muito específicas a cumprir, razão pela qual se tornam dominantes. Enquanto socialistas reconhecem a legitimidade histórica temporária dessas classes, Menger declara que a apropriação do excedente é um roubo”. (p. 27)

“Basta. O sr. Professor passa agora a tratar o socialismo à maneira jurídico-filosófica, o que significa reduzi-lo a pequenas fórmulas jurídicas, a ‘direitos fundamentais’ socialistas, reedição dos direitos humanos para o século XIX”. (p. 28)
“Assim, descemos tanto que só nos restaram palavras de ordem. Primeiro, são eliminados a síntese histórica e conteúdo de todo o movimento, para dar lugar à simples ‘filosofia do direito’ ...” (p. 28)

“O sr. Professor revela, então, que todo o socialismo se reduz juridicamente a apenas três palavras de ordem, a três direitos fundamentais. Ei-los:
1.      o direito ao produto integral do trabalho;
2.      o direito à existência;
3.      o direito ao trabalho.”
Depois que despreza o direito ao trabalho, passa a fazer um cotejo entre os dois segundos. Na verdade, decreta o fim da mais-valia com o uso do direito, fazendo uma contraposição entre o direito ao produto integral do trabalho e o direito à existência. Ambos são tidos como universais, sem as especificidades históricas em que são produzidos ambos (p. 28 e 29). Nada mais do que o universalismo típico dos direitos humanos modernos.
A partir daí Engels e Kautsky passam a falar sobre o direito ao produto integral do trabalho, até mesmo porque o cerne da acusação a Marx, a partir desta categoria, seria que Marx teria se expropriado do conceito de mais-valia de Thompson. Engels mostrará que, embora este termo aparece em Thompson, é extremamente diverso do empregado por Marx.
Aliás, é interessante a aproximação que vem com Proudhon (a propriedade privada é um roubo – apropriação do excedente é um roubo, para Menger) constante da p. 29: “O direito dos trabalhadores ao produto integral do trabalho, isto é, o direito singular de cada trabalhador ao produto específico de seu trabalho é, nessa definição, nada mais que doutrina proudhoniana”.

“Algo muito diferente é a reivindicação de que os meios de produção e os produtos devam pertencer à coletividade trabalhadora. Essa reivindicação é comunista e, como Menger reconhece à página 48, ultrapassa a reivindicação no. 1, o que lhe causa não poucos embaraços”. (p. 29)

“Ao sr. Menger parece muito natural que também em uma sociedade socialista se produzam valores de troca, portanto, mercadorias para vender; que o preço do trabalho subsista e que, portanto, a força de trabalho também seja vendida como mercadoria tal como antes. A única questão que lhe interessa é saber se na sociedade socialista o preço histórico e tradicional do trabalho será mantido, embora com aumento, ou se sobreviverá ‘uma determinação inteiramente nova do preço do trabalho’. Na opinião de Menger, nesse último caso a sociedade ficaria mais abalada do que pela introdução da própria ordem social socialista! Essa confusão de ideias se evidencia quando nosso sábio, à página 94, fala de uma teoria socialista do valor e imagina, de acordo com um esquema bem conhecido, que a teoria marxiana do valor deva fornecer o critério distributivo à sociedade futura. Sim, na página 56 é explicado que o produto integral do trabalho não é, de forma alguma, algo determinado, já que pode ser avaliado pelo menos por três critérios diferentes. Finalmente, às páginas 161 e 162 ficamos sabendo que o produto integral do trabalho é o ‘princípio natural de distribuição’, cuja viabilidade se restringe a uma sociedade baseada na propriedade coletiva, embora de utilização restrita, a uma sociedade, portanto, que atualmente nenhuma socialista sequer apresenta como finalidade! E excelente filósofo do direito da classe trabalhadora!”. (p. 30)

“Tentamos por todos os meios fazer com que esse obstinado jurista compreendesse que Marx nunca reivindicou o ‘direito ao produto integral do trabalho’, nem jamais apresentou reivindicações jurídicas de qualquer tipo em suas obras teóricas. Nosso jurista parece mesmo ter vaga noção disso quando censura Marx por nunca ter oferecido ‘uma exposição pormenorizada do direito ao produto integral do trabalho’ (p.98)”. (p. 34)
Fala, após, que o direito apenas ocupa posição secundária nas preocupações de Marx.
“Marx compreende a inevitabilidade histórica e, em consequência, a legitimidade dos antigos senhores de escravos, dos senhores feudais medievais etc. como alavancas do desenvolvimento humano em um período histórico limitado; do mesmo modo, reconhece também a legitimidade histórica temporária da exploração, da apropriação do produto do trabalho de outros; mas demonstra igualmente não apenas que essa legitimidade histórica já desapareceu, mas também que4 a continuidade da exploração, sob qualquer forma, ao invés de promover o desenvolvimento social, dificulta-o cada vez mais e implica choques crescentemente violentos”. (p. 34).
A partir daqui começa discussão sobre a questão do mais-valor em Thompson e em Marx. E, ao falar na inadequação de tratar como marxismo científico o que é feito por Thompson de forma supostamente inédito, os autores falam “Mas é isso que ocorre quando se reduz um movimento histórico-mundial a palavras de ordem jurídicas de algibeira” . (p. 36)

“Isso naturalmente não significa que os socialistas renunciem a propor determinadas reivindicações jurídicas. É impossível que um partido socialista ativo não as tenha, como qualquer partido político em geral. As reivindicações resultantes dos interesses comuns de uma classe só podem ser realizadas quando essa classe conquista o poder político e suas reivindicações alcançam validade universal sob a forma de leis. Toda classe em luta precisa, pois, formular suas reivindicações em um programa, sob a forma de reivindicações jurídicas. Mas as reivindicações de cada classe mudam no decorrer das transformações sociais e políticas e são diferentes em cada país, de acordo com as particularidades e o nível de desenvolvimento social. Daí decorre também o fato de que as reivindicações jurídicas de cada partido singular, apesar de concordarem quanto à finalidade, não serem completamente iguais em todas as épocas e entre todos os povos. Constituem elemento variável e são revistas de tempos em tempos, como se pode observar nos partidos socialistas de diversos países. Para essas revisões, são a relações reais que devem ser levadas em conta; em contrapartida, não ocorreu a nenhum dos partidos socialista existentes fazer uma nova filosofia do direito a partir do seu programa, e possivelmente não lhes ocorrerá no futuro. O que o sr. Menger perpetrou nesse campo pode, ao menos,  servir de lição. Esse é o único aspecto positivo de seu trabalho” (p. 47 e 48)

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